Katmandu, Nepal – O Nepal enfrenta uma das maiores crises políticas de sua história recente. Após dias de protestos massivos, o primeiro-ministro KP Sharma Oli renunciou ao cargo, pressionado pela revolta popular contra a corrupção e pela indignação causada pela morte de 30 manifestantes em confrontos com a polícia. Mais de mil pessoas ficaram feridas e outras centenas foram presas durante os atos que se espalharam por Katmandu e diversas cidades do país.
O estopim foi a decisão do governo, na semana passada, de proibir o uso de 26 redes sociais, entre elas WhatsApp, Facebook e Instagram. A justificativa oficial era combater notícias falsas e fraudes online, mas a medida foi interpretada pela população como uma tentativa de silenciar denúncias de corrupção que circulavam nas plataformas digitais. Diante da pressão popular, a proibição foi revogada, mas já era tarde: a juventude, especialmente a geração Z, transformou o movimento em um grito de mudança estrutural.
A juventude contra os privilégios da elite
Um dos elementos que mais inflamou a revolta foi a disseminação, nas redes sociais, de vídeos mostrando o estilo de vida luxuoso de filhos e familiares de políticos, apelidados de “nepo babies” ou “nepo kids”. Imagens de roupas de grife, festas privadas, viagens internacionais e carros de luxo viralizaram e foram contrastadas com a dura realidade da maioria dos jovens nepaleses, que convivem com altos índices de desemprego, salários baixos e migração forçada para outros países em busca de oportunidades.
Essas denúncias ecoaram especialmente entre os nativos digitais, que se organizaram em tempo real para marchas, ocupações e atos de desobediência civil. “Não é apenas sobre redes sociais. É sobre sermos silenciados enquanto os políticos vivem do nosso dinheiro”, disse Subhana Budhathoki, criadora de conteúdo de 22 anos que participa das manifestações em Katmandu.



Escalada da violência nas ruas
Os protestos, inicialmente pacíficos, rapidamente se transformaram em confrontos violentos. A polícia usou gás lacrimogêneo, canhões de água e até munição real para conter as multidões. Manifestantes derrubaram barreiras de segurança, invadiram o prédio do parlamento e atearam fogo em residências de líderes políticos, incluindo a casa do ex-primeiro-ministro Sher Bahadur Deuba.
Dentro do parlamento, centenas de jovens quebraram janelas, picharam mensagens contra o governo e hastearam bandeiras do Nepal. Vídeos divulgados nas redes sociais mostraram cenas de destruição e cânticos exigindo a queda da elite política.
Hospitais em Katmandu relataram lotação máxima. Médicos confirmaram que muitos ferimentos foram causados por balas de borracha e até disparos de arma de fogo. “Nunca vi algo assim. Estamos recebendo dezenas de feridos a cada hora”, afirmou um médico entrevistado pela BBC Nepal.
A crise também gerou caos no sistema prisional. Autoridades confirmaram que cerca de 900 presos escaparam de duas cadeias superlotadas no oeste do país durante os tumultos, aumentando ainda mais o clima de insegurança.
A queda do primeiro-ministro
Diante da pressão popular e da crescente violência, o gabinete de Oli anunciou na noite de terça-feira que o primeiro-ministro deixaria o cargo para “abrir caminho a uma solução constitucional”. Oli havia assumido em julho de 2024, pela quarta vez, com apoio do Partido do Congresso Nepalês. Sua saída deixa um vácuo político, já que vários ministros também renunciaram ou se esconderam sob proteção das forças de segurança.
O Exército do Nepal divulgou um comunicado duro, acusando os manifestantes de se aproveitarem da crise para saquear propriedades públicas e privadas. O texto alerta que, caso os protestos não cessem, as Forças Armadas “estão comprometidas a assumir o controle da situação”.

O que querem os manifestantes?
Embora a revogação da proibição das redes sociais tenha sido uma vitória imediata, os jovens afirmam que sua luta não termina aí. Entre as principais demandas estão o combate efetivo à corrupção, a renovação da classe política e maior transparência no uso de recursos públicos.
“Os líderes prometem uma coisa nas eleições, mas nunca cumprem. Eles são a causa de muitos dos nossos problemas”, disse Binu KC, estudante de 19 anos. Para muitos, a geração Z não está apenas protestando por liberdade digital, mas por um futuro mais justo.
O futuro incerto do Nepal
A renúncia de Oli não trouxe estabilidade. Até agora não há consenso sobre quem assumirá o comando do governo interino. Analistas alertam que, sem diálogo real com os manifestantes, a crise pode se agravar e até abrir caminho para maior intervenção militar.
Com universidades, sindicatos e coletivos de jovens se unindo à mobilização, o movimento tem potencial de se tornar o maior desafio político do Nepal nas últimas décadas. Especialistas já comparam a revolta a outras ondas de protestos globais, como a Primavera Árabe e o movimento Occupy.
A mensagem, no entanto, é clara: a geração Z do Nepal não pretende recuar. Para eles, esta é uma oportunidade histórica de romper com o passado e exigir uma nova era de governança.
✍️ Por Walisson Rosa – Editor-Chefe
Deixe o seu Comentário